Tribunal investiga seleção de R$ 130 mil

Um dos concursos públicos mais cobiçados do país é questionado na Justiça por suspeitas de irregularidades e indícios de direcionamento. O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro quer anular e o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu processo investigatório sigiloso para passar a limpo denúncias de que a seleção de praticante de prático, aberta pela Marinha no ano passado — e ainda em curso —, desrespeitou regras básicas de lisura, transparência e impessoalidade. A batalha nos tribunais sugere uma complexa rede de interesses.Os práticos são especialistas com elevada qualificação, além de alto valor de mercado tanto no Brasil como no exterior. Seu papel é assessorar comandantes de navios a manobrar as embarcações com segurança em procedimentos de chegada ou saída dos portos. Não se trata de emprego ou cargo público, mas de função pública. Os salários, em média, vão de R$ 60 mil a R$ 130 mil por mês, sendo que nos pontos de maior tráfego na costa brasileira há quem receba R$ 200 mil.

A remuneração fica a cargo de particulares que demandam o serviço de praticagem, os armadores (grandes transportadores marítimos). Por ser considerada estratégica, a profissão é regulada pelo Estado, que define as regras de atuação em campo, fiscaliza o exercício do cargo e coordena o recrutamento de mão-de-obra. O edital para a contratação de 117 práticos — maior concurso já realizado nessa área — foi publicado pela Diretoria de Portos e Costas (DPC) em março do ano passado. As vagas são direcionadas aos estados do Amapá, Maranhão, Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na última sexta-feira, as provas práticas chegaram ao fim.

A tentativa do MPF de barrar o concurso se baseia em relatos de candidatos que se sentiram prejudicados e em fatos concretos, pouco usuais, que acabaram tumultuando a realização da primeira fase dos exames. O Correio teve acesso à ação civil pública proposta pelo procurador Edson Abdon. Nela, há relatos de situações atípicas ocorridas durante a aplicação das provas teóricas, como falta de cadernos de questões em sala e um bloco de provas encontrado no banheiro feminino. Falhas de procedimentos também são reveladas no relatório.

Conforme sustenta o procurador, candidatos teriam sido aprovados sem o conhecimento técnico necessário. Abdon cita ainda representações contra um possível favorecimento de pessoas ligadas por vínculos de parentesco com militares de alta patente. Segundo ele, é grande a quantidade de sobrenomes com alguma coincidência. “É incrível o elevado índice de membros de uma organização com familiares aprovados neste concurso, e justamente uma organização que possui laços estreitos, em suas atividades, com a Diretoria de Portos e Costas, organizadora do concurso”, justifica na página 48 da ação civil pública. Dos 2.248 inscritos, apenas 1.643 fizeram a prova.

Resposta

A Marinha contesta de forma categórica as suspeitas. Em nota, informa que todas as dúvidas na execução da prova escrita foram “tempestivamente” objeto de apuração pela Administração Naval, não sendo constatada qualquer irregularidade. “Inúmeras demandas foram ajuizadas, sendo que, em sua maioria não foram acolhidas pelo Poder Judiciário, em caráter liminar. Em algumas, em que se concedeu liminar, com o envio das informações pela Diretoria de Portos e Costas, o Juízo revogou”, reforça o documento assinado pelo Centro de Comunicação Social da Marinha.

O Prático

Atividade pouco conhecida, mas fundamental no suporte da infraestrutura portuária

Função# Instruir manobras de embarcações com o máximo de segurança e precisão possíveis, de modo a resguardar vidas e o meio ambiente.

Como atua# Uma lancha leva o profissional até o navio. Embarcado, o prático repassa orientações de vento, condições do mar, do terreno e particularidades do local, imprescindíveis para que o comandante execute as manobras. É preciso conhecer profundamente a geografia da região, dominar rotas de ventos, marés e correntes.

Importância econômica

# O incremento do comércio internacional aumentou o fluxo de navios na costa brasileira nos últimos anos. Ao mesmo tempo, as exigências ambientais e de segurança internacional tornaram-se mais rigorosas.

Salário

# É alto porque exige responsabilidade e experiência associadas de tal forma que não há como comparar com outras profissões. O preço da manobra é definido conforme o porte do navio e o grau de dificuldade para atracar.