Entrevista Agnes Barbeito de Vasconcellos – “Trabalhar no porto é uma cachaça”

“O mundo ainda está  aprendendo a conside­rar a mulher como um  ser humano plenamen­te capaz”. A declaração  é da presidente da  Associação Brasileira de  Terminais e Recintos  Alfandegados (Abtra), a economista Agnes  Barbeito de  Vasconcellos, que, nes‑ ta quinta-feira (5), às  18h30, em Santos (SP),  recebe o Prêmio Personalidade PortoGente  2008, a consagração  maior do setor portuário nacional oferecida  pelo PortoGente. O porto é a paixão  dessa mulher que tem  um filho de 21 anos de  idade e se considera  “workaholic”. Agnes Barbeito nos surpreende com uma definição inusitada do que seria o trabalho no setor portuário, “é uma cachaça”.Barbeito, nesta entre­vista exclusiva, fala aber­tamente de vários assun­tos – portuários, políticos, machismo e até pessoais. Sem papas na língua, como diz o ditado popular, aqui ela mantém uma conversa deliciosa com os internautas. E é a determi­nação e posição firmes que distinguem essa mulher num mundo majo­ritariamente masculino, o portuário.

PortoGente – O que é o porto para a senho­ra?

Agnes Barbeito – O porto é minha paixão. Gosto muito do que faço. Frequentemente me fazem esta pergunta e digo que sou economista só porque tenho o registro no Corecon (Conselho Regio­nal de Economia), mas que no fundo, sou portu­ária. Trabalhar no porto é uma cachaça, não há um dia igual ao outro, você tem contato com todos os setores da economia, aprende um pouco de tudo. É fascinante.

PortoGente – Quan­do a senhora ingressou, e como, no setor?

Agnes Barbeito – Des­de de que saí da faculdade fui trabalhar com navega­ção mercante. O primeiro registro em minha carteira profissional, como econo­mista, foi feito pela Transroll Navegação, em 1981, e desde lá só traba­lhei no setor de comércio exterior. Como a marinha mercante brasileira aca­bou, os armadores brasi­leiros em sua maioria, direcionaram seus investi­mentos para os portos, e cá estou eu.

PortoGente – É o setor portuário um mundo machista?

Agnes Barbeito – Ainda é um pouco assim. Já foi bem mais no passado. Acho que é porque é uma atividade muito complexa e específica, as pessoas não conhecem muito os detalhes do mundo portu­ário porque os atores são empresas e não o grande público. Além disso, espe­cialmente no Brasil, porto era alguma coisa onde imperava o "jeitinho", onde havia o cheiro de corrupção. Envolvia traba­lhos em que se exigia a força física e pelo lado das relações humanas, a efemeridade. Daí o lado romântico das canções que falavam dos marinhei­ros que iam e vinham. E as mulheres incluídas nas histórias certamente que não seriam executivas de carreira, etc.

PortoGente – O siste­ma portuário nacional vive um momento satisfatório?

Agnes Barbeito – Eu diria que vive um momen­to especial, como nunca antes. Mal comparando, é como se um filho que até então fora tido como bastardo tivesse a pater­nidade reconhecida pelos pais e começasse a ter direito a usufruir os bens da família.

PortoGente – Por que?

Agnes Barbeito – Foi reconhecida a importância deste "pedaço" da infraestrutura brasileira e dada a ele o tratamento correspondente. A criação da SEP, foi, sem dúvida nenhuma, uma dos acer­tos do governo Lula.

PortoGente – O que está demais no setor portuário brasileiro e o que falta?

Agnes Barbeito – Existe excesso dos agentes intervenientes no comércio exterior brasileiro e falta coordenação entre esses agentes e também sua profissionalização. Tem-se muito cacique pra pouco índio.

PortoGente – Como a senhora definiria um sistema portuário efici­ente e eficaz?

Agnes Barbeito – O próprio conceito de efici­ência e eficácia podem responder: um porto eficaz seria aquele que atendesse as expectativas de escoamento de carga de todos os agentes exportadores e importa­dores brasileiros sem gargalos e ele seria efici­ente se fizesse isso pelo menor custo. Os portos asiáticos são uma referên­cia no mundo. Mas quan­do você fala de porto é preciso se levar em conta uma série de característi­cas que são específicas de cada lugar. Para comparar o porto de Santos com o de Cingapura, por exem­plo, tem-se que tomar cuidado. Comparar Santos com Le Havre, já fica mais palatável, porque existem mais similaridades entre os dois portos e por aí vai. Numa palavra, o porto dos sonhos é o porto cujos KPI (key performance indicators) tenham os melhores escores do mundo.

PortoGente – Brasil está distante dessa sua definição?

Agnes Barbeito – Acho que sim, até porque não constamos na lista dos países mais ricos do mun­do e o porto, como não poderia deixar de ser, acompanha os demais indicadores da economia. Há mais um agravante, as administrações portuárias foram as últimas a sair da lista dos agentes econô­micos que mais sofriam a influência da política em sua gestão.

PortoGente – Com a criação da Secretaria Especial de Portos (SEP), criou-se um foco específico para o debate sobre portos. Mas criou-se, também, uma dicotomia entre osistema portuário e o de transportes. Isso não é ruim para a ca­deia logística do País?

Agnes Barbeito – Não acredito que a criação da SEP tenha criado exata­mente "uma dicotomia". A verdade é que como os portos são povoados por empresas e não pelo grande público, eles aca­bam por chamar menos a atenção das autoridades. No Brasil, sempre foram legados a segundo plano pelo Ministério dos Trans­portes. Quando se falava em transporte se pensava em rodovias e ferrovias, ninguém se lembrava de porto e nem de hidrovia. Mas é aquela história, você só se lembra que existe o dedão do pé, quando ele começa a doer pelo sapato apertado. Em 2006, houve aquele barulhão por conta do engarrafamento das estradas de acesso a Santos, e o porto virou noticiário nacional. O presidente Lula, muito vivo que é, e pelo fato de conhecer profundamente a região, pois vem do ABC, sentiu que havia um problema, e muito sério. Decidiu criar a Secretaria e aí o que nós vimos foi a história da noivinha feia, que de repente, arranjou um marido rico. Ninguém queria fazer o vestido da coitada. Agora, todos os costureiros famosos se acotovelam para ver se pegam uma beiradinha do bordado. Acho que a criação da SEP só veio somar. O mundo portuário é muito complexo, precisa de gente focada tomando conta dele. Não dá pra ser um apêndice.

PortoGente – Quan­do ser mulher atrapalha e quando é um fator decisivo nos mundos dos negócios portuári­os?

Agnes Barbeito – Acho que a resposta é a mesma para todas as áreas em que a mulher atua. O mundo ainda esta apren­dendo a considerar a mulher como um ser humano plenamente ca­paz. Basta lembrar que fazem exatos 100 anos que as mulheres celebra­ram – no dia 28 de feve­reiro em Nova Iorque – o primeiro dia da mulher, em que comemoravam sua organização incipiente para lutar por melhores condições de trabalho. Hoje existem mulheres fazendo de tudo. Penso que a mulher leva uma vantagem quando conse­gue administrar melhor sua vaidade e aí é mais rápida em reconsiderar seus erros, levantar a poeira e dar a volta por cima. No mundo portuário não existem muitas mu­lheres, então a competição se faz sentir de forma diferente. Alguns homens, no primeiro momento, ficam esperando a primeira "bola fora" que você vai dar. Depois, observam a reação dos demais, e optam por tratar você com a mesma deferência dos parceiros. Mas, como em qualquer meio, exis­tem aqueles que são verdadeiramente progres­sistas e não marxistas, e normalmente são os que exercem liderança no grupo. E aí todo o grupo acaba se acostumando, e você passa a ser tratada como uma igual. Posso dizer que tenho muitos amigos na comunidade portuária brasileira, uma prova é este prêmio que vocês estão me dando. E também procuro ter uma agenda positiva de atua­ções. Acho que isso pesa.

PortoGente – A se­nhora já sofreu, na sua área de atuação profis­sional, algum tipo de machismo?

Agnes Barbeito – So­frer propriamente não. Mas já fui colocada à prova. A pergunta parada no ar era se eu era ou não capaz de argumentar bem, se resistia a muita pres­são, decepção. Nossa, várias vezes. Vou contar o milagre, mas não o santo. Uma vez ouvi alguém me apresentando em determi­nada ocasião, e esta pessoa dizia, "é ela é a presidente, não entende nada, mas é a presiden­te…". Tive que ouvir e fingir que não estava ali. Isto é chato. Outras pes­soas querem que eu desista, vá pra casa jogar biriba. Mas meu trabalho é minha vida.

PortoGente – Como é comandar homens?

Agnes Barbeito – Olha, nunca penso que estou comandando homens. Penso que estou coman­dando pessoas. E o se­gredo é você se colocar na posição do outro, e de­senvolver o que modernamente se apeli­dou de "inteligência emoci­onal". Acho que para liderar, em primeiro lugar você tem que sair de si mesmo e observar os outros. Eu gosto de pes­soas, gosto de perceber seu crescimento, gosto de influir positivamente na vida delas, se puder. Assim você cria elos com os liderados e as ordens passam a ser cumpridas não só por obrigação, mas por comprometimento e consideração. Para rece­ber, você precisa dar.

PortoGente – Qual o seu ritmo e jornada de trabalho?

Agnes Barbeito – Eu sou o que se chama de "workaholic". Trabalho o tempo todo.

PortoGente – O que gosta de fazer para relaxar?

Agnes Barbeito – Bem, sou religiosa também. A descoberta que existe um Deus, pessoal, que se importa e que cuida de nós, seres humanos, me fascina muito. Estudo teologia nas horas vagas.

PortoGente – O que é ser uma mulher inteli­gente?

Agnes Barbeito – Não sei se sou uma mulher inteligente…

PortoGente – Na sua área de formação, Eco­nomia, quais são os seus gurus?

Agnes Barbeito – Quando a gente vai "ga­nhando idade", vai tendo menos gurus. Vou citar alguns economistas brasi­leiros que admiro, como Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen, Delfim Netto, que independente­mente de suas atuações políticas, sabiam e sabem muito. Mas vou citar duas pessoas que você conhece e que tem feito análises de conjuntura muito sábias ultimamente: o Eduardo Gianetti da Fonseca, que foi meu colega de turma, quando comecei o curso de Economia na USP, em 1975 – não sei se ele se lembra, pois perdemos o contato – e o Carlos Alberto Sardenberg, da rádio CBN, com quem tive o prazer de conversar semana passada em Brasília. Seu livro "Neo liberal não, liberal" é o máximo.

PortoGente – Como a senhora divide o tempo entre trabalho e famí­lia?

Agnes Barbeito – Bem, tenho um filho de 21 anos que está trabalhando em Nova Iorque e, portanto sobra mais tempo para o trabalho- uma forma de controlar a saudade. Acho que cumpro bem o quarto mandamento da Lei de Deus que diz "… em seis dias trabalharás e farás toda a tua obra…". É bem assim, ou estou no sába­do, ou no trabalho.

PortoGente – Como a senhora define um profissional de sucesso?

Agnes Barbeito – Não sei. Aquele que é felizconsigo mesmo e que passa algo positivo para os demais.

PortoGente – Como a senhora se sente recebendo o Prêmio Personalidade PortoGente 2008?

Agnes Barbeito – Muito feliz e surpresa. Gosto muito do Jama e de vocês todos. Se não fosse "por­tuária", seria jornalista. Acho que é fundamental em qualquer setor haver um veículo que informe com independência, um fórum aberto de discussão de todos os problemas com isenção e princípios. Vocês fazem isso muito bem e sinceramente espe­ro que continuem assim. É muito importante para o nosso meio contar com informação verdadeira, transparente, sem com­prometimentos com este ou aquele. É uma honra pra mim ser considerada por pessoas tão obstina­das.

PortoGente – Como a senhora avalia o tra­balho realizado até agora pelo ministro Pedro Brito?

Agnes Barbeito – Como você quer que eu respon­da? Eu gosto pessoalmen­te do ministro. Acho que ele é um homem inteligen­te, preparado e muito diferenciado de tantos outros que assumem cargos no governo. Ele não era do ramo, rapida­mente se inteirou dos problemas do setor, ouviu bastante e corajosamente fez publicar um decreto que, digam o que quise­rem dizer, veio ajudar na reestruturação do setor. Mas ele faz o que é possí­vel fazer. Milagres só Deus. Tenho certeza que pelo que conheço dele, ele desejaria ter feito muito mais. É um homem de iniciativa privada, que trabalhava com cronogramas. Se não fez mais, tenho certeza que é porque não pode, não por que não quis.