Crise afeta todos os setores e PIB cai 3,6%

A crise global atingiu a economia brasileira de forma generalizada e profunda no quarto trimestre, segundo dados das Contas Nacionais, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,6% no último trimestre do ano quando comparado ao terceiro trimestre na série com ajuste sazonal, após crescer 6,4% nos nove primeiros meses do ano. "Houve uma ruptura", disse a gerente de Contas Trimestrais do IBGE, Rebeca Palis. No ano, o PIB cresceu 5,1%, após alta de 5,7% em 2007.Os estragos da crise no Brasil não se limitaram à indústria e aos investimentos das empresas e chegaram de forma expressiva em diversos componentes do PIB. O consumo das famílias, que vinha sustentando o crescimento econômico há cinco anos, foi um dos mais afetados. Com peso grande no PIB, de 61%, caiu 2% no quarto trimestre, a primeira retração verificada desde o segundo trimestre de 2003, quando a taxa ficou negativa em 1,2%.

"As atividades tiveram impactos diferenciados, mas todos foram afetados. Esse quarto trimestre, no momento econômico atual, é atípico. E o impacto da crise pode ser classificado como forte", resumiu o coordenador de Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto.

Na avaliação do economista Paulo Mateus, da Barclays Capital, o enfraquecimento do consumo das famílias reforça ainda mais a necessidade de corte de juros, uma vez que a situação do mercado de trabalho ainda não se deteriorou tanto. A massa salarial continuou em alta, de 7,6% no quarto trimestre, mas o consumidor, com medo de perder o emprego, comprou menos. "Foi a pior notícia, mostra que a crise está generalizada e não está isolada em alguns setores", disse.

Do lado da produção, a surpresa veio do setor de serviços, em retração de 0,4%, a primeira queda desde o segundo trimestre de 2003. Com peso de cerca de 67% no PIB, o segmento sofreu com a resistência do brasileiro em comprar. As maiores quedas vieram do comércio de atacado e varejo e dos transportes, este afetado pela redução das vendas de automóveis no fim do ano. Para o economista da Barclays, como o segmento de serviços apresenta, historicamente, defasagem em relação ao PIB, o segmento deve repetir a queda no primeiro trimestre. Até a agropecuária, em alta nos dois trimestres anteriores, registrou queda, de 0,5%.

Apenas o consumo do governo se salvou na enxurrada de números negativos do quarto trimestre. Mais estável sob a influência do cálculo do IBGE, que inclui o pessoal ocupado nas áreas de educação e saúde, o governo ainda consumiu 0,5% no quarto trimestre do ano passado sobre o terceiro trimestre.

O investimento em bens de capital e em construção civil – a Formação Bruta de Capital Fixo – reverteu a trajetória de expansão e caiu 9,8% depois de subir 8,4% no trimestre anterior. Mesmo assim, devido ao bom desempenho dos três primeiros trimestres, a taxa de investimento sobre o PIB em 2009 ficou em 19%, maior taxa da série, iniciada em 2000.

Ao lados dos investimentos, a indústria foi o segmento mais afetado, em queda de 7,4%, a maior retração desde o quarto trimestre de 1996. Na comparação com o quarto trimestre de 2007, a indústria registrou diminuição de 2,1%. O desempenho ruim foi puxado especialmente pela indústria de transformação, em queda de 4,9%, e pela extração de minério de ferro, em retração de 18,9%.

O setor externo fechou o último trimestre com retração nas exportações e importações de bens e serviços, de 2,9% e 8,2%, respectivamente. Em todo o ano de 2008, o setor externo contribuiu negativamente com 2,3 pontos percentuais no resultado do PIB devido à forte alta das importações, de 18,5%, e à queda de 0,6% nas exportações.

Já a demanda interna (investimentos e consumo das famílias) perdeu fôlego no quarto trimestre. Depois de representar uma alta de 9,2 pontos percentuais no PIB dos primeiros nove meses, ela contribuiu apenas com 3,7 pontos no quarto trimestre, reduzindo a ajuda dentro do ano para 7,7 pontos, segundo cálculos da Rosenberg & Associados. Dentro desta, a contribuição do consumo das famílias passou de 4 pontos nos três primeiros trimestres, em média, para 1,3 ponto no último trimestre.

Diante do quadro de crise conjugado à valorização do real, a necessidade de financiamento da economia nacional aumentou em 2008 para R$ 57,1 bilhões. Em 2007, eram R$ 5,5 bilhões. "Isso deveu-se principalmente à redução do saldo externo, mas também aumentou a renda líquida enviada ao exterior, devido ao aumento das remessas", disse a economista do IBGE Claudia Dionísio. O saldo da renda líquida enviada aumentou R$ 17,1 bilhões sobre 2007 e chegou a R$ 72,8 bilhões em 2008. As remessas de lucros e dividendos subiram R$ 18 bilhões em relação ao ano anterior.