Paz na guerra dos portos

Por 58 votos a 10, o Senado deu o primeiro passo para corrigir uma distorção que vinha afetando a ba­lança comercial brasileira. A apro­vação da chamada Resolução 72, na terça-feira 24, da unificação das alíquotas interestaduais do ICMS, vai extinguir a chamada guerra dos portos a partir de janeiro de 2013, coibindo os governos estaduais a conceder benefícios locais para atrair importações. Com a oferta de uma alíquota estadual mais barata para o ingresso de mercadorias estrangei­ras pela via portuária, oito Estados, entre eles, Pernambuco, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, garantiam não apenas mais movi­mento em seus terminais e a atração de tradings, como o aumento da ar­recadação de impostos com as im­portações que seguem para outras regiões do País. Tocantins, Maranhão, Goiás e Mato Grosso do Sul também ofere­cem ICMS diferenciado. Segundo um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a participação nacional no volume de importações dos Estados que ofe­reciam benefícios passou de 11,8% para 22%, entre 2001 e 2011. Para piorar o quadro, os descontos no ICMS interestadual, de mais de dois terços do valor do tributo cobrado pelos governos dos Estados que não oferecem benefícios (cobrança de alíquota de 3% ou 4% em vez de 12%), barateavam os importados em até 6%, uma distorção indesejada, sobretudo num momento em que to­dos os países fecham o cerco à con­corrência que vem de fora para pro­teger sua indústria local. Só a impor­tação de máquinas e equipamentos por Santa Catarina, por exemplo, cresceu quase 300%, entre 2006 e 2011, com a ajuda dos benefícios.

“Vamos deixar de estimular a im­portação de produtos e a exporta­ção de empregos para outros paí­ses”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, um dia após a vo­tação no Senado. Embora não seja uma panaceia para todos os proble­mas do País, o fim da guerra dos portos foi celebrado pelos empresá­rios. “É excelente, toda a indústria está comemorando”, diz Robson de Andrade, presidente da Confedera­ção Nacional da Indústria (CNI). José Velloso, vice-presidente da As­sociação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), concorda, mas pondera que esse é apenas “um passo”, diante de uma caminhada de quilômetros que o País precisa fazer. “Acabou um problema, mas per­manecem todos os outros, como o câmbio, a infraestrutura deficiente e a carga tributária”, diz Velloso.

O ministro Guido Mantega pro­curou demonstrar que está atento à demanda dos empresários. “Esse é o primeiro passo para a reforma tri­butária”, disse Mantega, sem entrar em detalhes. A afirmação, porém, animou o diretor da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, que torce por novos desdobramentos de uma re­forma que aperfeiçoe a cobrança de ICMS. “Temos de ter uma alíquota interestadual de 4% não só para os importados, mas também para os produtos nacionais produzidos num Estado e vendidos em outro”, diz Fonseca. Ele espera uma sinalização do governo nesse sentido, até o fim deste ano. Seja como for, o fim da guerra dos portos dá fôlego aos em­presários para correr atrás de competitividade contra os estrangei­ros. Só no primeiro trimestre deste ano, as importações subiram 9,7% em comparação com o mesmo perí­odo do 2011.

Isso fez o saldo comercial cair de US$ 3,1 bilhões em 2011 para US$ 2,4 bilhões neste ano. Com a Reso­lução 72, a expectativa do governo é inibir as importações. Mas nem todos concordam com o sucesso dessa estratégia. Ivan Ramalho, pre­sidente da Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece), que representa as tradings no País, lembra que 80% das impor­tações, atualmente, são insumos ou matérias-primas que abastecem a produção. Contrário à resolução 72 que, em sua visão, estava ajudando a desenvolver a estrutura portuária em todo o território nacional, Ramalho teme a concentração das importações, a partir de agora, no porto Santos, que é o maior da Amé­rica Latina. “Haverá uma sobrecar­ga indesejada”, diz o presidente da Abece.

São Paulo é a porta de entrada de 36% de tudo o que o Brasil im­portou no ano passado. Espírito San­to e Santa Catarina, dois dos Estados que mais podem sofrer com a mudança da lei, respondem respec­tivamente por 5% e 7% do total. O secretário da Fazenda do Espírito Santo, Maurício Duque, calcula que metade das 250 empresas de trading que se instalaram no Estado pode sair de lá, causando um prejuízo de R$ 1 bilhão na arrecadação estadu­al, que foi de R$ 8 bilhões em 2011. “Já estamos vendo empresas que não estão renovando seus contratos de aluguel”, afirma Duque. Mas o go­vernador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), acredi­ta que as empresas vão acabar per­manecendo.

“Temos uma mão de obra quali­ficada e um tempo de espera no porto de Itajaí muito menor do que San­tos”, diz. Para compensar eventuais prejuízos, o governo acenou com fi­nanciamento do BNDES para incen­tivar investimentos em outras ativi­dades nesses Estados. Enquanto isso, o porto de Santos já se mobili­za para atender ao provável aumen­to do movimento. “Estamos bem preparados para absorver o aumen­to da demanda”, afirma o presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), José Roberto Serra, que administra o porto de Santos. Até o próximo ano, a capa­cidade de movimentação do porto passará de três milhões de TEUs (contêineres de 20 pés) por ano, para oito milhões de TEUs.